11/04/05

pintar: não a montanha mas o medo


"compôr a luz e
não escrever nunca

dizer: o quadro será (como)
dizer a morte?
ou condizer com a sorte?

pintar: o espaço às voltas
para rimar:
com a montanha-castanha"

01/04/05

Enigma


"Saber onde se encontram o princípio
e o fim: a coincidência dos opostos, a identificação
do mesmo com o idêntico, como se
o tempo, ele próprio, tivesse parado o seu curso. Re-
comecemos, então!

Um tempo preso da sua latitude: o
infinito. Mas o que sei é que, entre o que é e
o que não é, um instante se intromete: a vida,
uma vida, aquilo que corrompe a eternidade
e que obscurece a sua ideia.

A ideia de estadia: paragem no curso
do estático. É essa ideia que dói: mas uma dor abstracta,
o espinho que punge o espírito, que se atravessa
no seu movimento - e retém a máquina humana com a sua
complicada engenharia.

Desmonto, uma a uma, as suas peças. Esqueço-me
de que não saberei como voltar a colocá-las. Não há cadernos
de instruções para os sentimentos; as emoções não se colam
como pedaços do todo que se partiu. Ouço o motor
da alma, a sua rotação irregular no fundo de
suspiros, murmúrios, silêncios.

É como se o vazio caísse, de súbito. Um edifício
que ocupa o espaço dos destroços."

Nuno Judice