26/04/07


(c) Mourão 2007


Poema do silêncio de José Régio

"Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
-Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.

Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.

Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!

Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.

Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...

Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome."

5 comentários:

  1. Olá!

    Ora aqui está um bom blog de cultura.... ou será de entretenimento???

    Beijinhos.

    Inês

    ResponderEliminar
  2. Viva Maribel!

    Régio, um dos poetas da língua portuguesa, denso e pensador, Autor de obras-primas de quem não ia por aí e afirmava o seu próprio caminho. Tristemente mal tratado a seu tempo e naquele que o futuro lhe reservou e no entanto um dos exemplares da cultura portuguesa a que o Estado Novo amesquinhou e não deu a oportunidade da liberdade e tudo o que ela proporciona à criação em termos de experiências e contactos.
    A casa em que viveu é um dos pontos de interesse em Portalegre e só é pena que não seja objecto de uma forte animação cultural e literária que de alguma forma contribuisse para que o poeta tivesse a proeminência artística que, na minha modesta opinião, mereceria.
    Sem dúvida uma das coisas boas da nossa literatura.

    Maribel, três coisas boas em Portugal, é o que se pede que os amigos digam "No Largo da Graça".
    Não queres ir até lá e dizeres de tua justiça?

    Sonhos bonitos,

    Luís

    ResponderEliminar
  3. Anónimo2/5/07 10:37

    José Régio é qualquer coisa...tu sabes q gosto!
    A fome é maior, o silêncio não se faz em revolta - não na tua, nesta.
    Ms ainda que proclame desta forma o que não pode ser, seria também o nosso caro poeta que te diria "Ide..." =)
    beijinho

    ResponderEliminar
  4. Anónimo8/5/07 23:12

    “Thinking blogger award”

    Mia Ainiotita Kai Mia Mera" pela delicadeza e o bom gosto estético do espaço e o interesse dos temas apresentados e a inteligência revelada que, a partir de temas culturais, nos leva a pensar em muitos aspectos da vida.

    Assim escrevi, Maribel, espero que aceite esta escolha o que desde já agradecemos.

    Luís

    ResponderEliminar
  5. Curioso, eu que tenho alguma dificuldade em entender poesia, sempre gostei de José Régio e este em especial é lindo

    ResponderEliminar